Texto da Exposição

 A viagem do fotão


A Viagem do Fotão

Luis López Navarro


A experiência: o fotão parte do Sol, chega a Orihuela e ressalta sobre um homem reclinado na escadaria da sua casa, risonho e cansado depois de escoar a água que inunda a sua cidade, como em tantos Setembros. O fotão refletido atravessa a lente de um fotógrafo nascido nesse local, e que se encontra ali documentando as inundações, tudo no mesmo instante em que este aperta o botão e o espelho se levanta colando-se no seu sensor.


Mais tarde, os impulsos elétricos que esse fotão gera na câmara viajarão por um compridíssimo cabo elétrico até à casa de um pintor em Portugal. O pintor português é o último elo da viagem do fotão, um complot figurativo que desta forma se compõe de mais que um dispositivo ótico e três digitais, dois pares de olhos, dois cérebros humanos e uma paleta de cores a óleo. As máquinas têm os seus próprios algoritmos afinados por engenheiros japoneses. Os olhos são mecanismos biológicos e impõem os seus próprios desvios. Os cérebros são instrumentos complexos que juntam à equação, mais que os mecanismos de codificação e descodificação da luz, toda a história da fotografia e toda a história da pintura. No final da experiência o pintor, como no jogo do telefone estragado, tratará de reconstruir com os seus pinceis e os seus óleos aquela realidade oriolana em que por esta altura o reflexo do fotão faz tempo que não existe.


O pintor nunca esteve em Orihuela, nem sabe exatamente o que é uma DANA (fenómeno local de chuvas locais torrenciais). A sua é uma tarefa impossível, como aqueles miniaturistas medievais que se esforçavam por ilustrar um crocodilo a partir dos relatos orais de viajantes.


Nas diversas fases da experiência, a realidade física transforma-se em outas entidades muito diversas. A maquina fotográfica transcreve mais ou menos literalmente os reflexos dos fotões, mas o fotógrafo, que enquadra e dispara o botão, está num plano diferente: a criação de objetos plásticos. O que lhe chega ao pintor são já apenas imagens, e por isso as recebe com um entusiasmo pictórico. O referente real original já não está, ou mais exatamente, não importa. Só há forma e cor. O pintor seleciona outra vez e ao tratar de representar essa representação, produz de novo uma coisa diferente: uma imagem nova, a sua.


Talvez no final do processo, quando o espectador se enfrentar ao produto final, a informação que importa à sua própria experiência lhe sirva para reconstruir a realidade que originou essa imagem, quem é esse senhor e porque está ali. Ou talvez não, e o que veja seja um homem com jeans e camisa aos quadrados, sob um sol impiedoso, com o pulso contraído como quem caiu e talvez se tenha magoado. Talvez o olhar descodificador do espectador projete sobre a obra o seu próprio conhecimento da vida, e o que veja nesse quadro seja claramente uma alegoria da velhice, a triste e sábia impotência de saber que o corpo já nunca mais vai ser o mesmo.


Se é assim, a experiência fracassou. Tentando reproduzir fielmente o que viam, os artistas não conseguiram senão demonstrar os seus filtros, plasmar a sua humanidade cheia de distorções. Mas pelo caminho, o fracasso da representação criou algo novo, algo que não existia antes, um objeto que não é a realidade. Será que importa muito saber como é realmente um crocodilo?

Lago, 2021 óleo s/tela 75x114cm


 

Picasso, 2020 óleo s/tela 53x80cm


 

2 Carcaças, 2020 óleo s/tela 13x20cm


 

BMX, 2020 óleo s/tela 53x80cm


 

Banco, 2020 óleo s/tela 18x27cm


 

Barco, 2020 óleo s/tela 132x198cm


 

Bengala, 2020 óleo s/tela 25x38cm


 

Cozinha,2020 óleo s/tela 72x110cm


 

Cravos, 2020 óleo s/tela 17x26cm


 

Dois Limões, 2020 óleo s/tela 40x60cm


 

Vassoura Vermelha, 2020 óleo s-tela 50x75cm


 

Tractor, 2020 óleo s/tela 102x152cm


 

A Fonte, 2020 óleo s/tela 120x180cm


 

vista da Sala: no MUSEO DE LA RECONQUISTA DE MOROS Y CRISTIANOS